terça-feira, 26 de agosto de 2014

67 anos

"- Hoje você acredita no amor?
"- Não."
"- E acreditava?"
"- Antigamente existia amor e sinceridade. Não havia desconfiança." Ouvi de uma senhora na tv pela manhã. 
Um encontro, depois das cartas, depois de 67 anos. Uma viúva e um desquitado. 
Depois de mazelas, dos telefonemas, das doenças da idade. Um reencontro. Restabelecimento. 
No instante de um abraço eu acreditei novamente no amor e no límpido lacrimejar daqueles olhos enrugados. E nos meus. Pena que não durara muito mais tempo. 
Um quadrinho de Ribs diz com propriedade: "Há sempre uma porta no nosso vazio esperando alguém entrar..." E entra, mesmo que nem você saiba como. Mesmo sem chave.



Entra quando você consegue sossego; quando a casa está arrumada; quando está finalmente limpa de uma boa festa de ontem, porém devastadora. Que deixa os móveis e os cacos no chão. Nunca (ou quase nunca) levam a sujeira consigo e é você que tem de catar. E o fazes com esmero até. Limpa tua casa com gosto e vê o reflexo na alma. E percebe até que as melhores garrafas de ontem ficaram, mesmo você querendo dar o fim a elas. Você vai lembrar da boa festa, você quer fazê-lo; mas a parte devastadora não é lá tão interessante assim e atormenta o seu presente vazio.

Minhas festas nunca foram de muita gente. Acho que consigo contar nos dedos das duas mãos quantas pessoas já compuseram minhas festas. Uns de acesso permanente, outros de uma vez pra nunca mais. Outros recorrentes. Mas bem menos do que posso contabilizar ao meu redor. Nunca soube o que esperar dessas festas, então, preferia esperar o pior e vez em quando me surpreendia... até que os finais se apresentassem. Podia durar minutos (companhia agradável, festa inteligente, dançante e engraçada. momento errado e uma tristeza sem fim pela festa de outro dia), meia hora (de começo agradável, bonita, abusadíssima, reflexiva, fugitiva e no final gelada), horas (de pensar e de impulso, resultado não tão diferente da primeira), anos (eufórica, abrasiva, amigável e depressiva), meses (desconfiada, abrasiva, decepcionante, de grande tristeza, com passe pra nunca mais voltar) e mais meses (quando você volta esquecendo que fora uma merda, e ainda se diverte muitíssimo porque parece ser diferente, mas só parece mesmo. o final você previa pela outra). Não descrevi todas, mal me lembro de algumas. Grande parte refletia meu espírito.

E mesmo que uma terminasse mal, sempre havia outra a começar e a terminar. A adentrar o vazio que nem queria ser completo ou ter companhia. Que só queria ser vazio sem querer. Ser inteiro. Inteiramente vazio.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada!