quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O pequeno príncipe

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."


Essa frase eu ouço desde pequena, mas de fato não a compreendia. Era pequena demais. Engatinhava na leitura. Li "O pequeno príncipe" enquanto brincava de juntar letras, ainda no colégio primário, na época a qual me interessava muito mais pelas aquarelas de Exupéry

Aos 13 anos ganhei um exemplar, que continha uma dedicatória, a qual desejava bons proveitos com a leitura. O tive, mas não o suficiente para compreender aquela história. Li com a razão. 
Três anos depois, apresentei a história em forma de peça pro colégio inteiro, por conta da professora de literatura. Tive de reler o livro, adaptar as falas, sentir o texto. Todos nos aplaudiram de pé no auditório. Mas ainda assim, ainda havia razão. 

Nesse meio tempo carreguei frases de destaque do livro na cabeça. Vez em quando vinha uma ou outra pra reflexão e mais uma vez era tudo na base da razão. Sempre mastiguei meus pensamentos até conseguir digeri-los. Pensamentos são grandes cadeias de proteínas que devem ser quebradas em aa para servirem de alimentos ao corpo. Engolir coisas não é algo muito eficiente para o processo de digestão.

Quando tenho problemas que alteram o meu estado como ser humano de forma psíquica, química e física, busco mastigá-los, assim como faço com a comida, só que na forma de pensamentos. Os problemas da mente-coração se transduzem fisicamente pra me alertarem que estão ali. Em episódios assim, busco uma leitura confortante e esclarecedora, por mais que tudo esteja desalinhado, enquanto a leitura, interpretação e escrita, ainda gosto de fazer essas coisas. É como uma válvula de escape ou os hormônios de fome e saciedade. Um olá para a leptina e a grelina, e o go/no show dançante no meu metabolismo. Se eu fosse falar de neuro ao invés de gastro, as coisas seriam muito piores.

Voltei-me a leituras. Neurociência comportamental, psicologia, antropologia biológica... (posso recitar os títulos depois. Tentei até "Ensaios de amor", do Botton, mas temo nunca mais conseguir pegar neste livro. Ele contou a minha história antes mesmo dela acontecer. Queria mesmo que ela morresse com esse livro, e não com o que eu tento escrever. Sempre tive medo de fantasmas do gênero. A minha cabeça parece mais com um thriller ou com a lista de detective books do goodreads. "- Há tempos não falo com ela." Já ouvi tal frase antes e sempre viera acompanhada de risos de deboche. Toda essa desconfiança baseada em conversas e atos passados, na não percepção que faz mal, me incomodam. Na verdade, me entristecem. Parei com neuro. Já com a neura... não depende só de mim. Tudo é relativo, inclusive a percepção de tempo e de contextos. Eu não duvido de mais nada. Quando aperta de um lado, recorres a outro. Nesse ponto, eu não acredito em você.

E eis que as frases de destaque me deram umas cutucadas e eu cedi a leitura novamente do livro. Dessa vez meu estado era totalmente diferente. Atento, ressabiado, um cado triste, desmotivado e etc. Bem diferente da moleca que aprendera a ler e que odiava meninos, línguas contorcidas em beijos, e já demonstrava pavor de relacionamentos. Bem, acho que essa última característica nunca saiu de mim, mas voltara a ser forte. Crianças sempre têm razão ou quase sempre. 

A frase que me cutucou com mais força fora a do início do texto. E por que esta agora tem outro significado? Antes era uma das que passavam despercebidas ou que faziam parte da coleção das que eu não compreendia lá muito bem. Então, não é muito difícil de interpretar isso. Eu cativei alguém e alguém me cativou, corpo-alma-mente-coração, e por isso sempre me senti responsável por isso. Com isso veio o respeito, a admiração, a compaixão, a vontade em continuar, de fazer o bem, o dengo... o amor. Mas diferente das demais leituras, as quais sempre usei a razão, essa eu só compreendi por ter usado o coração, mesmo que não tenha usado-o muito bem (é que ele ficou meio caído).

E no mais, as pessoas deveriam ser mais atentas ao significado das pessoas que passam em suas vidas, nos momentos, nas consequências das coisas, na possibilidade de se perder tudo pelo nada, na impulsividade citada no texto anterior. Deve-se estar atento a jiboias que engolem elefantes, mas fazem sombra de chapéu; em principezinhos; caixas; carneiros; asteróides; aviadores; rosas; raposas; serpentes; reis; bêbados; homens de negócios; acendedores de lampião; geógrafos; astrônomos e vaidosos. Talvez algumas não estejam preparadas para ler esse livro, como eu não estava e ainda não sei se estou, mas talvez um dia estarão. Talvez um dia lembre-se da frase da raposa de forma própria, sem precisar de beliscões e uma voz mais exaltada. Talvez um dia eu possa parar de dizer que sabia que você não se lembrava de tê-lo feito, mesmo eu repetindo tantas vezes. No dia em que isso acontecer, eu vou me orgulhar. Ou talvez você tenha que vir aqui, se formos estranhos, para um dia lembrar.

[...]
- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és
responsável pela rosa...
- Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
[...]

É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.

Eu poderia escrever tão mais... mas hoje, eu só recomendo a leitura de tal livro. 

Mas lembrem-se: Só se for com o coração. 

"Perseverance is not a long race; it is many short races one after the other." -Charles W. Eliot

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